quarta-feira, 21 de abril de 2010

Menejo ecológico de doenças e pragas de plantas


Li e achei interessante divulgar, a palestra de Maria Reguna Godinho Marques Dias
Alimentos Vivo Produtos Orgânicos
São Paulo/SP, publicada pelo Biológico, São Paulo, v.65, n.1/2, p.75-77, jan./dez., 2003.
Boa leitura!

O modelo de agricultura surgido após a segunda
Guerra Mundial, baseado na proposta de mecanização
do solo, estabelecimento de monoculturas, apoiado
em adubações químicas e amparado pela administração
abusiva de venenos para eliminação das pragas
e doenças já mostra seus resultados desastrosos: solos
erodidos, desmatados, rios poluídos e sem vida, sérias
alterações climáticas.Este quadro converge no tocante
à agricultura para o aumento da incidência das pragas
e doenças, além da promoção de doenças mais
resistentes.A promessa de geração de alimentos em
maior escala não se cumpriu, e o que se constata é o
declínio da produção causando êxodo rural, populações
ainda na miséria, ou subnutridas além de produção
contaminada de alimentos.
A agricultura orgânica, no entanto vem se firmando
como medida salvadora, resgatando a agricultura
praticada por nossos ancestrais, baseada na
reciclagem e na interação do homem com a natureza.
O produtor orgânico abraça o desafio de tentar
recolocar as coisas em seus devidos lugares e, para
isso, precisa lançar mão de todos os recursos disponíveis:
da observação minuciosa à tecnologia científica
de que puder dispor, para minimizar os resultados
negativos de tantos anos de cultivo inadequado.
No entanto, não há modelos pré-determinados a
seguir. Cada unidade produtiva é única, dispõe de
inúmeras particularidades, está inserida em
microclimas específicos todos estes aspectos devem
nortear a escolha de "o que" produzir e de "como"
fazê-lo.
Optar pelo cultivo orgânico leva inicialmente o
produtor a reconhecer uma verdade primordial:
estamos sujeitos às mesmas leis naturais que regem todos os
seres vivos. Estudar estas leis e tentar aplicá-las é a
nossa saída. Além disso, deveremos manter constante
vigilância e dedicação, pois a natureza não interromp e
seus ritmos e qualquer negligência de nossa parte
refletir-se-á em sérias perdas de produção.
No tocante à manifestação de pragas e doenças, o
grande instrumento da agricultura orgânica é a
prevenção. Prevenir significa entender a unidade
produtora como um organismo vivo cujo equilíbrio
natural precisa ser estabelecido pelo correto manejo
do solo, pelas diretrizes adotadas para nutrição das
plantas e pelos métodos de cultivo propriamente dito.
O solo não representa apenas um reservatório de
nutrientes que dá suporte à planta como quer a agricultura
convencional, mas sim o depositário de toda
a vida microbiana, aonde acontece processos de suma
importância, que serão estimulados pela cobertura
morta (restos de palhadas, cascas, bagaços e culturas
que deitamos sobre o solo) ou cobertura viva como a
manutenção de ervas pioneiras ou o emprego da adubação
verde que realiza um preponderante trabalho
de fornecimento de biomassa para cobertura e nutrição
do solo, com seu sistema radicular profundo e ramificado,
que busca nutrientes em camadas profundas
aonde as raízes de muitas hortaliças não chegam,
disponibilizando lentamente estes nutrientes por ocasião
do acamamento da massa verde tão significativa
nestas espécies. Além disso, a adubação verde presta
importante trabalho, de arejamento do solo, pois as
raízes ali deixadas, representam milhares de canais
para absorção de água e arejamento, descompactando
e renovando solos já atingidos por formação de laje.
Este emprego de cobertura morta ou viva previne
o desaquecimento ou super-aquecimento do solo mesmo
quando há incidência de altas temperaturas, bem
como impede o impacto de chuvas fortes ou irrigação
contínua que desagregam os grumos, e promovem
erosão. Outro manejo a ser incorporado é o emprego
mínimo de implementos, reduzindo drasticamente a
aração, substituindo-a por maquinário leve ou especifico
para picar e acamar adubos verdes, recorrendo
a práticas de subsolagem que sulcam o solo ao invés
de movimentá-lo. Desta forma podemos realizar plantios
diretos, em meio à palhada da cultura anterior,
com vistas a perturbar o mínimo possível a vida
microbiana em desenvolvimento no solo, tesouro que
desejamos preservar.
Também o manejo da água em cultivos orgânicos
requer especial cuidado, pois a irrigação excessiva,
que favorece áreas de encharcamento cria ambiente
propício à disseminação de doenças fúngicas e
bacterianas, o que se torna crucial em cultivos protegidos
(estufas). A escolha do equipamento adequado
para irrigação de cada cultura e a justaposição de
culturas com semelhantes necessidades é medida
importante e econômica a ser implantada para prevenir
doenças e pragas.
Estudos como a Teoria da Trofobiose de Francis
Chaboussou trouxeram grande esclarecimento sobre
a íntima relação entre o equilíbrio metabólico da planta
e a incidência de pragas e doenças. O ataque destas
tem relação direta com a nutrição ou a intoxicação
das plantas em questão. A praga ou a doença quando
identificada deve então ser encarada não como inimi ga,
mas como indicador, que devemos interpretar. Quando
há um desequilíbrio no sistema agroecológico o inseto
se alastra e avança sobre a produção constituindo-se
praga. Na verdade insetos, bactérias, fungos,
nematóides, ácaros, dispõem de poucas enzimas, o
que reduz sua capacidade de sintetizar moléculas
complexas como proteínas, aproveitando-se de moléculas
simples como aminoácidos. Assim, plantas
hospedeiras, desequilibradas em seus processos de
nutrição: proteossíntese (síntese de proteínas) e
proteólise (decomposição de proteínas) com elevada
quantidade de aminoácidos, açucares e minerais
ainda solúveis, não metabolizados pela planta,
representam campo fértil para instalação e disseminação
da praga ou doença.
Portanto, a nutrição deve ser balanceada e
norteada por análises foliares que vão indicar os
níveis de exigência de complementação ou não de
adubação mineral (cinzas, fosfatos de rocha, calcário
etc) que corrigem o Ph e equilibram os micronutrientes.
O manejo de pragas e doenças em cultivos sustentáveis
só pode ser equacionado quando há
biodiverdidade na paisagem rural, capaz de restabelecer
a cadeia alimentar entre todos os seres vivos
desde os microrganismos até os pássaros e outros
animais complexos. Precisamos propiciar áreas de
refúgio para animais, insetos, papel tão valioso que a
proximidade das matas desempenha. Cabe ao produtor
criar um novo ambiente no campo, povoando-o
com grande número de flores e ervas aromáticas como
cavalinha, cravo de defunto, lantanas, gerânios,
salvias, manjericão, que repelindo insetos ou atraindo
inimigos naturais, ainda fornecem matéria prima
abundante para processamento das caldas defensivas,
já consagradas como importante recurso alternativo
para controle de diversas pragas e doenças. A prática
de capinas em faixas em pomares ou áreas de produção
de hortaliças permite a convivência com o mato, aproveitando
o seu aspecto altamente benéfico como atrativo
dos insetos, e criatório de inimigos naturais, seus
predadores. Planejar a produção incluindo rotação
de culturas que quebram o ciclo biológico dos
patógenos que infectam as plantas é tão importante
quanto como a criação de pára-ventos em faixas bem
adensadas (de milho, quiabo, girassol e cana) impedindo
que o vento, forte elemento propagador possa
ferir, desidratar, ou empurrar para dentro das células
das plantas os agentes multiplicadores da doença.
O produtor conta ainda com grande variedade
de sementes resistentes a diversas doenças disponíveis
no mercado, mas não deveria abandonar a
prática de produzir seu próprio banco de sementes,
resgatando o trabalho de preservação de sementes
puras que certamente oferecem bons resultados
quanto a adaptabilidade e conseqüente resistência
a doenças como temos observado em plantas que
enfrentam com bravura o stress causado pelas adversidades
climáticas a que estamos cada vez mais
sujeitos.
Temos também procurado difundir o uso do
Calendário Astrológico de Maria Thun, (agricultura
biodinâmica) que tem sido notável instrumento para
proporcionar estrutura e vigor às nossas culturas,
reduzindo a incidência de problemas fitossanitários
uma vez que é sabido que estes somente acometem
plantas desequilibradas em seus processos metabólicos.
A agricultura orgânica lança mão ainda de consagrados
manejos de aplicação de caldas alternativas,
como a calda bordaleza (a base de sulfato de cobre e
cal) que tem boa ação protetora em doenças como
manchas das folhas de beterraba (Cercospora betícola),
contra míldio e manchas foliares (angular e zonada)
em pepinos, abobrinhas, prevenindo requeimas e pintas
em tomates além de repelir pragas como vaquinhas,
cochonilhas, tripes (SOUZA & REZENDE, 2003).
Outro defensivo, dos mais antigos é a calda
sulfocálcica (a base de enxofre e cal) que possui importante
ação inseticida contra insetos sugadores
como ácaros, tripes e cochonilhas em pomares, e no
controle de ferrugens e ácaros em alho, cebola, tomates ,
beringelas e feijão (BURG & MAYER, 1999). Extratos de
pimenta do reino (piper nigrum), tem boa atuação
contra pulgões, ácaros principalmente em crucíferas
assim como extratos de pimenta vermelha (Capsicum
annum), repelem vaquinhas grilos e lagartas principalmente
se adicionadas à calda sulfocálcica. (PENTEADO,
1999). Nossa experiência com prevenção ao ataque
de tripes em tomateiros, desde as primeiras folhas até
45 dias com aplicações semanais de caldas de folhas
de primavera (Bouganvillea spectabilis), teve resultado
muito positivo, assim como pulverizações com leite
cru e água, de 10 em 10 dias protegem culturas de
abobrinhas e pepinos em até 100% de doenças
viróticas e fúngicas, conforme experiências
divulgadas pela Embrapa, e constatada em nossas
lavouras.
Métodos de controle biológico artificial também
podem ser introduzidos como fungos (Beauveria
bassiana) que controla com eficiência lagartas, ácaros,
pulgões, mosca branca, ou (Trichoderma sp.) fungo
antagonista de solo para controle de Fusarium, e
Metarrhizium anisopliae, fungo usado para controle de
tripes, pulgões, cigarrinhas, cupins, entre outros
recursos apresentados no mercado em fórmulas
comerciais, que ajudam o produtor orgânico a restabelecer
o equilíbrio que tenha sido comprometido.A
questão mais importante antes deve ser o ato de
discernir em que medida deve-se usar este ou aquele
recurso já que o nível de doenças ou pragas precisa
estar contido entre o limiar sutil de não comprometer
resultados positivos de produção, mas também não
causar ainda mais desequilíbrios.

Em meio a tantos recursos vê-se que o produtor
não está desamparado no tocante ao manejo de pragas
e doenças, e que a agricultura orgânica é viável se
introduzida de forma planejada, se atende com rigor
às necessidades básicas de suas culturas, se observa,
e imita os processos perfeitos da natureza, e se reconhece
que deve interferir com máxima consciência no
sistema rural.
O produtor orgânico antes um idealista, colhe atualmente
resultados muito satisfatórios de produção,
aprimorando cada vez mais seu solo, que pleno de
matéria orgânica e abundante vida microbiana
proporciona um ambiente rural equilibrado quanto
as pragas e doenças em suas plantações.
Repousa tranqüilo finalmente este produtor que
sabe estar produzindo alimentos puros e verdadeiramente
nutritivos, e legando às futuras gerações um
tesouro inestimável, que é o solo brasileiro saudável e
produtivo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SOUZA, J.L. & RESENDE, P. Manual de horticultura orgânica.
Viçosa: Editora Aprenda fácil, 2003. P.30-231.
BURG, I.C. & MAYER, P.H. Alternativas ecológicas para prevenção
e controle de pragas e doenças. Francisco Beltrão:
Grafit, 1999. 153p.
PENTEADO, S.R. Defensivos alternativos e naturais. Campinas, 2001

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