quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

RISCOS E DANOS NA APLICAÇÃO DE AGROTÓXICOS NA AGRICULTURA FAMILIAR NO MUNICÍPIO DE JARDIM - CE

Joaquim Torres Filho [1]; Hernandes Rufino dos Santos [2].

[1] Professor adjunto do Curso de Agronomia do Campus da UFC no Cariri. e-mail: joaquim.torres@ufc.br

[2] Aluno do Curso de Agronomia do Campus da UFC no Cariri.– e-mail: hernandesufc@yahoo.com.br


Resumo

O uso de agrotóxicos na agricultura familiar é contraproducente e preocupante. Os agrotóxicos são usados em larga escala em grandes e pequenas áreas de todo o Brasil. O desconhecimento de qualquer informação sobre seu uso mostra a vulnerabilidade dos produtores rurais a qualquer tipo de pesticida. O trabalho foi conduzido no distrito de Novo Horizonte no município de Jardim - CE com agricultores familiares que utilizam agrotóxicos em seus plantios. Foram realizadas vinte entrevistas no período de junho a julho de 2010. Foi aplicado um questionário com perguntas sobre a cultura plantada, aquisição, preparo e aplicação de agrotóxicos. Quando questionados se recebem orientação para o uso racional de agrotóxicos, foi unanimidade o não, representando todos os entrevistados. Não existe treinamento e muito menos recomendação para uso e manuseio de agrotóxicos. Sabendo-se que é muito comum o uso de calendário para aplicação de agrotóxicos, perguntou-se se eles aplicam de maneira preventiva: (92,30%) responderam que não e (7,70%) positivamente. Quanto a confiabilidade dos resultados obtidos pela aplicação dos agrotóxicos, todos foram unânimes em afirmar que sim, muito embora não tenham parâmetros para afirmar tal assertiva. Verifica-se uma situação de grande risco para aplicadores e para o meio ambiente, pela ausência de orientação, muito menos capacitação técnica. Não existe fiscalização sobre a emissão de receituário agronômico, muito menos fiscalização de órgãos competentes.



Palavras-chave: Agroquímicos; Diagnóstico; Risco.



Introdução

O processo de modernização tecnológica iniciado nos anos 50 com a chamada “Revolução Verde” (BRUM, 1988), alterou significativamente as práticas agrícolas, gerando mudanças ambientais, tanto na carga de trabalho e nos seus efeitos sobre a saúde, deixando os trabalhadores rurais expostos a riscos muito diversificados.

A cultura da aplicação de agrotóxicos é avassaladora e na maioria dos casos por falta de uma consciência maior de todos os atores da cadeia de produtos da agricultura familiar, contribui para o desequilíbrio biológico e ainda para a situação de risco da saúde do agricultor e dos consumidores. A partir dos anos 60, em vários países latinoamericanos, incluindo o Brasil, os agrotóxicos passam a ser amplamente difundidos como parte fundamental da agricultura moderna, cuja meta era o aumento da produção e da produtividade das atividades agropecuárias, a chamada “revolução verde” (BULL e HATTAWAY, 1986).

O Brasil é o terceiro mercado e o oitavo maior consumidor de agrotóxicos por hectare no mundo, sendo os herbicidas e inseticidas responsáveis por 60% dos produtos comercializados no país (FAIRBANKS, 2001). Por um lado, a febre de consumo de agrotóxicos é uma realidade em quase todas as regiões do país, como se fossem capazes de resolver tudo, por outro, a população demanda cada vez mais por alimentos isentos desses produtos.

Estima-se que dois terços da população do país estão expostos, em diferentes níveis, aos efeitos nocivos desses agentes químicos, seja em função do consumo de alimentos contaminados, do uso de agrotóxicos para o combate de vetores de doenças infecto-contagiosas ou pela atividade laboral. Mas nenhum grupo populacional brasileiro é tão vulnerável a esses produtos quanto os trabalhadores rurais (PERES, 2003). Este fato é uma realidade, pois a grande maioria dos trabalhadores rurais ao utilizar agrotóxicos não usa equipamentos de proteção individual e não tem cuidado com o manejo e a aplicação dos produtos.

Ao deparar-se frente a um determinado perigo, advindo do processo de trabalho, um agricultor responde de acordo com as suas crenças, experiências, imagens e informações construídas ao longo de sua trajetória de vida. A percepção do perigo é fruto da associação de todos estes determinantes com o cenário em que se encontra no momento (WIEDEMANN, 1993). Segundo ainda este mesmo autor, um fato que chama a atenção é a “percepção de riscos”, qual seja, a “habilidade de interpretar uma situação de potencial dano à saúde ou à vida da pessoa, ou de terceiros, baseada em experiências anteriores e sua extrapolação para um momento futuro, habilidade esta que varia de uma vaga opinião a uma firme convicção”.

Irregularidades na prescrição e aplicação de agrotóxicos são muitas e em que pese a existência de órgãos fiscalizadores, uma ação efetiva que vá desde a capacitação do trabalhador até boas práticas de manejo da cultura ainda não constitui o foco das atenções. Vendas de produtos sem o receituário agronômico, falta de respeito ao período de carência (intervalo entre a última aplicação e o período de colheita), não usar equipamentos de proteção individual e descarte de embalagens usadas, são alguns exemplos de como os problemas são preocupantes.

IGBEDIOH (1991), relata que a exposição aos agrotóxicos por longo tempo em homens, plantas e animais tem efeitos nocivos e indesejáveis. Aponta como medidas para redução de riscos na sua utilização: a educação e treinamento dos agricultores, a regulação da propaganda, a limitação do uso de substâncias altamente tóxicas, o monitoramento da população mais exposta ao agrotóxico e a inspeção dos produtos nas lojas de venda e no campo. Esta é uma proposta lógica e que deve ser acompanhada de um amplo programa de esclarecimento, pois principalmente no tocante a utilização de agrotóxicos, deve ser levada em conta a necessidade de aplicação, a segurança do trabalhador rural e sua família e a saúde do consumidor.

Segundo TRAPÉ (1993), ocorreram no mundo cerca de três milhões de intoxicações agudas por agrotóxicos, com 220 mil mortes por ano. Destas, cerca de 70% se dão em países do chamado Terceiro Mundo. Além da intoxicação dos trabalhadores que têm contato direto ou indireto com esses produtos, a contaminação de alimentos tem causado intoxicações e mortes.

No Brasil e em particular em Pernambuco, não existe um efetivo sistema de monitoramento dos agrotóxicos, quer do efeito no meio ambiente, quer na saúde dos trabalhadores rurais. De forma geral, falta informação, orientação técnica e educação para os trabalhadores e produtores rurais com relação à saúde, agricultura, trabalho e ambiente (SILVA et al, 2000).



Material e Métodos

O trabalho foi conduzido no município de Jardim-Ce, no distrito de Novo Horizonte (antiga cacimba), com agricultores familiares que utilizam agrotóxicos em seus plantios. A pesquisa de campo (fase exploratória) compreendeu o diagnóstico inicial da situação local, baseado em observação participante de características do ambiente, relações sociais, processos de trabalho e relações de poder em nível local, entre outros aspectos.

A metodologia utilizada para a pesquisa foi de caráter qualitativo e quantitativo. A combinação dessas metodologias permitiu a investigação das práticas de uso dos agrotóxicos, e de impactos causados na saúde do trabalhador e no ambiente. O instrumento de coleta de informação foi através de entrevista semi-estruturada. A entrevista semi-estruturada foi aplicada aos agricultores através de questionários, os quais foram aplicados no campo, e divididos em dois segmentos para compreensão do objeto de estudo. No primeiro segmento, tabularam-se dados sobre o perfil socioeconômico-ambiental dos entrevistados e as suas práticas de uso dos agrotóxicos; no segundo segmento, mais qualitativo, investigou- se a percepção de riscos no tocante à utilização dos mesmos. Foram realizadas vinte entrevistas no período referente a junho a julho de 2010.

Resultados e Discussão

Em sua totalidade, os agricultores entrevistados cultivam milho, feijão caupi, mandioca e mamona. No tocante a ATER por parte da Ematerce, apenas 15,38% dos agricultores recebem assistência do órgão estadual de extensão. Este fato por si só, já é um fator bastante negativo no que diz respeito a uma utilização mais racional de agrotóxicos nos plantios existentes, pois de acordo com essa situação, muitos são os problemas que ocorrem em campo. Com base nos resultados obtidos, evidencia-se que os trabalhadores da região investigada, assim como alguns técnicos com estes envolvidos, não levam em conta uma importante fonte de contaminação ambiental, no que diz respeito aos mananciais de água na região.

No que diz respeito ao sindicato dos trabalhadores rurais, (92,30%) são associados, no entanto o sindicato pouco ajuda na questão do uso indiscriminado de agrotóxico. Não existe a mínima orientação no que diz respeito ao uso de agrotóxico, nem muito menos de meios alternativos de prevenção de doenças e pragas. Segundo resposta às indagações, não existe mistura de agrotóxicos e muito menos aplicação preventiva. TUCKER & NAPIER (2001), afirmam que pelo fato de os pequenos produtores rurais determinarem o tipo de proteção química usada em seus sistemas de produção, eles costumam enxergar o uso de agrotóxicos como voluntário e familiar (no sentido de ser comum ao seu cotidiano), especialmente devido à extensa experiência que adquiriram ao longos dos anos com o intenso e massivo uso desses produtos.

Quanto à confiabilidade dos resultados obtidos pela aplicação dos agrotóxicos, todos foram unânimes em afirmar têm confiança no produto, muito embora não tenham parâmetros para afirmar tal assertiva. A aquisição dos agrotóxicos é feita em revendas agropecuárias (100%), sem utilização do receituário agronômico (100%) e a maioria (92,30%) é recomendado pelos vendedores e o restante (7,70%) indicado por técnicos do sistema de extensão rural. Quando perguntados se quem vende os agrotóxicos são agrônomos, responderam que (69,23%) não sabe e (30,76%) são agrônomos. Segundo as respostas obtidas, os agricultores não entendem as recomendações do produto e de um modo geral, nenhum deles utiliza equipamento de proteção individual, colocando em risco a própria vida. O resultado é que (100%) preparam as caldas sem nenhuma segurança, pondo em risco a própria vida. Os agricultores reconhecem que a aplicação de agrotóxico é uma atividade perigosa, embora desconheçam os limites deste risco em função da invisibilidade do problema.

Quanto à freqüência de aplicação, responderam que: (30,76%) realizam uma aplicação no ciclo da cultura do feijão, (46,15%) duas vezes, (15,38%) três vezes e o restante quatro vezes. Todos foram unânimes em afirmar que não sabem o que é o período de carência de um produto e que preparam as caldas no próprio pulverizador e que as roupas são lavadas em casa junto com as outras.

Conclusões

Com base nos resultados obtidos, verifica-se uma situação de grande risco para aplicadores e para o meio ambiente, pois não existe orientação, muito menos capacitação técnica para os agricultores e o desconhecimento sobre a realidade do uso de agrotóxicos é a regra, quadro esse não muito diferente de outras regiões do Estado do Ceará. Não existe fiscalização sobre a emissão de receituário agronômico, muito menos fiscalização de órgãos competentes.

O uso freqüente de agrotóxicos por parte desses agricultores reforça a necessidade de pesquisas que aprofundem metodologias para avaliar se realmente se faz necessária a aplicação destes produtos, bem como avaliar com maior precisão a exposição aos agrotóxicos e os riscos associados a estes produtos

Sugere-se, a partir dos dados obtidos, a implantação de um programa integrado de avaliação e controle de agrotóxicos na região, tornando mais ágeis e objetivas as estratégias de intervenção que, conduzam a produção de alimentos sem utilização de tais produtos.



Referências Bibliográficas



BRUM, A. J., 1988. Modernização da Agricultura de Trigo e Soja. Petrópolis: Editora Vozes.

Fairbanks M. Defensivos agrícolas ampliam o mercado. Revista Química e Derivados 2001; 396: 398-403.

Igbedioh SO 1991. Effects of agricultural pesticides on humans, animal and higher plants in developing countries. Archives of Environmental Health 46(4): 218-223.

Peres F, Moreira JC. É veneno ou é remédio? Agrotóxicos, saúde e ambiente. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003.

Wiedemann PM. Introduction risk perception and risk communication. Jülich: Programme Group Humans; Environment, Technology (MUT), Research Centre Jülich; 1993. (Arbeiten zur Risko- Kommunikation 38).

Trapé AZ 1993. O caso dos agrotóxicos, pp. 565-593. In Rocha et al. Isto é trabalho de gente? Vida, doença e trabalho no Brasil. Ed. Vozes, Petrópolis.

Tucker M, Napier TL. Determinants of perceived agricultural chemical risk in three watersheds in

the Midwestern United States. J Rural Stud 2001; 17:219-33

Nenhum comentário:

Postar um comentário